quinta-feira, outubro 07, 2004

Gatos assanhados





Vou ter que escrever e alinhar as ideias a ver se entendo alguma coisa disto, se não é uma autêntica baralhação. Vejamos:

1) Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) fazia comentários políticos na TVI há cerca de quatro anos e meio.

2) Sempre gostei de o ouvir e, como eu, parece que uns milhares de portugueses, o que remetia para a sua própria valorização política e para os shares da estação. Ainda que, com frequência, desse comigo a pensar que os comentários eram mais “azedas” de inverno (trifolium, para os que não sabem e que, porventura, ficarão na mesma, com esta minha botânica “tirada”) do que comentários isentos. Marcelo não comentava. Espicaçava e espicaçou Cavaco Silva, Jorge Sampaio, Guterres, Soares, Durão Barroso e, ultimamente, o inimigo de estimação Pedro S. Lopes. E mesmo quando dizia bem de alguém era para que o ricochete atingisse um terceiro. Eu acho que MRS é de uma inteligência superior, tem génio descritivo e uma agilidade mental como poucos. Senhor de uma verrina terrível não resiste, naturalmente, a grelhar vivo quem ele não gosta. Além de que à medida que ia sentindo a sua crescente projecção e admiração ia dando largas aos seus tiques de miúdo traquinas, daqueles que levantavam as saias às senhoras, espetavam alfinetes nos olhos dos canários e amarravam latas aos rabos dos gatos. Senhor de uma memória prodigiosa e de uma capacidade analítica fora do comum, usou estes atributos a seu bel-prazer, no seu interesse e na acumulação de réditos da TVI.

3) Um ministro idiota de um governo risível caiu na tremenda asneira de lançar para a opinião pública o seu (dele, do governo...) desagrado pelo comentário do passado Domingo. “Pior que o pior de Guterres” é devastador, não deixa ninguém em pé. Tipo campanhas napoleónicas. No comentário diz MRS que este governo é mau, sem se esquecer de dizer que Guterres era, igualmente mau. Isto é brilhante.

4) A idiota intervenção do ministro foi a melhor coisa que sucedeu a MRS. Janta com Paes do Amaral e faz nova declaração assassina que basicamente queria dizer: Retira-se porque em quatro anos em meio sempre foi livre e agora não é. Com esta frase, Paes do Amaral e o Governo ficam mal na fotografia e ele sai com a imagem reforçada e à espera de um telefonema da SIC.

5) As reacções de variadíssimos sectores da Oposição e do próprio partido foram céleres e mortíferas. Não me ocorre consenso igual desde a questão de Timor. Quem não gosta de PSL e não perdoa a Jorge Sampaio não quis saber de mais nada. Nem um minuto pararam para pensar. Riram como a hiena e prepararam-se para o repasto. Jornais, televisões, blogues, rádios atiraram-se aos despojos e mesmo gente que me merece o maior respeito pelo seu gabarito intelectual, cultura e traquejo político se deixou arrastar pela torrente, bradando pela eminente censura e pelo desrespeito pela liberdade de expressão. Gente como Pacheco Pereira, por exemplo. Porque o ódio de estimação por Santana Lopes foi mais forte que a razão. Posto isto, e na minha modesta opinião, acho que:


5.1. – A TVI é uma empresa de capitais privados. Admite quem quer e despede quem lhe apetece pelas mais variadas razões. Não vejo que seja necessário haver pressão do Governo para que Paes do Amaral tomasse a atitude que tomou. Alguém se lembrou que pode ser ele Paes do Amaral a pensar por si e pelo conhecido envolvimento entre o Grupo e o Governo via Portugal Telecom? Pode ser eticamente condenável... mas não são estas as regras do jogo? Imagine-se um escritório de advogados em que uma das secretárias vem para a porta da rua com um estandarte a dizer que os patrões são um grupo de vigaristas. O que é que os patrões fazem? Provavelmente despedem-na...e lá está a pobre da secretária com a sua liberdade de expressão coarctada . Ou um consultório médico... ou uma pizzeria...ou uma loja de ferragens.

5.2.- Se existisse um caso de limitação de liberdade de expressão MRS sentir-se-ia impedido de continuar a comentar. Não creio que seja o caso. A menos que o seu fino instinto o leve a não aceitar os vários convites que vai receber para que a sua vitimização seja mais efectiva. Mas o facto permanece. MRS pode continuar sempre, como, onde e quando quiser a comentar e ninguém o prende ou lhe arranca as unhas.


Tudo isto me faz pensar. Afinal o Governo que temos é reconhecidamente um motivo de gáudio, se não fosse trágico. Mas, e aqui bate o ponto, tanto quanto a Oposição, donde não vi ou ouvi a mais breve intervenção com alguma contenção. Talvez com a honrosa excepção de Cavaco Silva e do professor Rui Cádima. O resto tem sido a mais acabada manifestação de falta de cultura política e de cidadania. O costume, afinal. Nem mesmo Jorge Sampaio resistiu a chamar MRS a Belém. O povo gosta destas tiradas e a oposição resfolega. Resumindo. Somos todo gatos do mesmo saco e continuamos a arranhar toda a gente e a nós próprios, o que é mais grave. Faz parte da nossa cultura de inveja, de mesquinhez, de raivinhas surdas e de ânsia de protagonismo. Não é dizer mal de nós próprios. É factual e, até novas ordens, é isso exactamente o que sinto. É certo que tudo começou com a intervenção idiota de um ministro idiota. Mas tivessem todos estado quietos e a coisa não passava disso mesmo. Duma intervenção idiota.

1 Comments:

At 7:34 da manhã, Blogger Passada disse...

uma das consequências graves de globalizarmos este teatro político na têvê, é a impreparação que alguns apresentam ter para digerir e o mais grave a adopção de atitudes semelhantes, claro está nunca em benefício do todo mas sempre, sempre do específico. Confesso a total falta de pachorra para ver os noticiários que portugal neste momento está a fazer. Estão que nem nós, ninguém sabe bem para onde se está a andar. A falta de objcetivos concretos dum partido, dum governo, dum país.

 

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