quinta-feira, setembro 30, 2004

Grupos



Hoje de manhã fui bombardeado com notícias sobre a evolução da Sida em Portugal. Entre outras coisas, designadamente que as drogas têm uma “danosidade” (F. Thomaz, já não estás de castigo...) particular na incidência da doença, fiquei a saber que me incluíram num “Grupo”. Não sei quem, se a estação emissora, se o INE, se o Ministério da Saúde mas, para o caso, nem interessa. A frequência com que a locutora usava o termo “Grupo” dos heterossexuais informou-me à exaustão que eu pertencia a um “Grupo”. Isto pela liminar razão de que sou heterossexual. Já dando de barato a minha discordância quanto a esta designação, sou daqueles que gostam de mulheres. No bom sentido, como dizia o bom do Zé Maria e mesmo no mau sentido, já que de mulheres se deve e pode gostar em todos os sentidos. Quem sabe, até, no sentido único, sentido proibido e sexto sentido. Não tenho culpa, não é espírito de missão, nem votos de juventude. Gosto de mulheres, period. Pensava eu que gostar de mulheres seria tão natural como ter sede mas, aparentemente, não é. Gostar de mulheres subentende a minha classificação num “Grupo”. O grupo dos que gostam. Eu, que sempre fui alérgico a grupos, salvo especialíssimas excepções que não são para aqui chamadas. Mas sei que, quer queira quer não, eu estou incluído em alguns grupos a que não posso fugir. O grupo dos casados, dos solteiros, o grupo dos apreciadores de cachimbo, do amigos da pinga ou, até, do grupo excursionista do Clube Desportivo, Recreativo, Cultural e Beneficente de um qualquer lugarejo, cujos habitantes se juntam para ir ver as flores de amendoeiras e acabam tragicamente no fundo do rio Douro ou para irem assistir ao jogo de futebol entre o clube da terra e um dos grandes.

Daí que, pela humana e não despicienda razão de eu ter relações sexuais com indivíduos do sexo oposto, eu ser catalogado em “Grupo” parece-me insultuoso, redutor e, mais grave, porque a minha sensibilidade me diz que há uma mensagem subliminar e sub-reptícia nesta forma de agrupamento. Mesmo um ar de sorrelfa. Considerar os heterossexuais um “Grupo” é discriminatório e, subtil e implicitamente, diferencia-os de outros grupos. Dos homossexuais, está bem de ver.

Ser heterossexual é, devia ser, uma forma natural de um indivíduo se relacionar com o sexo oposto. Não vejo porque razão isso implique a formação de grupos, que não seja, exactamente, uma forma velada, inteligente, politicamente correcta e perigosa de mitigar a existência de grupos de indivíduos de diferente orientação sexual. E quanto mais persistir esta forma de estabelecer diferenças maior será a clivagem entre os “grupos”, acabando mesmo por funcionar duma forma perversa em relação aos homossexuais. E não havia necessidade. Qualquer pessoa inteligente e minimamente dotada de sensibilidade própria para os fenómenos da natureza humana conhece a homossexualidade e não a aceita nem deixa de aceitar. Convive com ela, no mais rigoroso respeito pela liberdade e orientação sexual de cada um. E quem não procede assim não deveria merecer um minuto que fosse de reflexão tanto por parte dos homossexuais como dos... chiça... heterossexuais.

Por isso me irrita esta permanente lavagem de cérebro a que sou sujeito quase diariamente sobre a questão da homossexualidade. Parece que me estão a ensinar a tabuada. E se não aprender põem-me ao canto da sala com orelhas de burro. E quase fazer pensar que, um dia destes, tenho de pedir desculpa, baixinho, por achar que dormir com uma mulher é como deitar cedo e cedo erguer. Dá saúde e faz crescer...