quarta-feira, junho 29, 2005

Patologia?



[447] - A naturalidade com que um autarca diz na televisão que havia umas cancelas e tal que eram para ser colocadas na estrada que atravessa a pista, mas que o povo não quiz porque perdia muito tempo à espera que os aviões passassem e que uma proposta de traçado de uma nova estrada tinha esbarrado salvo erro no Ministério da Defesa… ou a ligeireza com que a comunicação social estabelece comparações entre as pistas do aérodromo de Espinho e o aeroporto de Gibraltar (onde as condicionantes geográficas muito específicas exigem cancelas e semáforos permanentemente ligados) leva-me a pensar que há uma fronteira muito ténue entre o laxismo e irresponsabilidade e a patologia, pura e simples, na sociedade portuguesa.

São demasiados os casos que noutros locais suscitariam inverosimilhança mas que aqui, na paróquia, se inscrevem numa rotina fatalista. Há exemplos absolutamente extraordinários que fazem equacionar com frieza a nossa capacidade de mantermos uma vida colectiva de respeito e civismo, condições absolutamente essenciais para uma sociedade moderna.

Um país que chega a ser mote de um site com fotos e dizeres sobre "Portugal no seu melhor" poderia ser matéria risível, e só isso, se não enformasse uma aparente incapacidade de gerirmos os dias das nossas vidas e que se traduz em atraso, gritaria, confusão, ódios, caos citadino, obras, complexos estranhos e perda de vidas constantes, de que os acidentes de viação são talvez o exemplo mais apropriado se não fosse, por isso mesmo, trágico.

O workshop promovido pelo Bloco de Esquerda sobre desobediência civil é a cereja no bolo da nossa sociedade. Uma sociedade onde hoje toda a gente anda a gritar, a insultar o governo e a não querer perder direitos e benesses que lhes foram prometidos por governantes irresponsáveis. O que vale é que o PS se lembrou de promover mais uma gritaria acerca da oportunidade do referendo sobre o aborto a realizar ainda este ano. Enquanto se grita por isto deixamos de gritar por outras razões.

Esta ideia peregrina foi anunciada, curiosamente, quarenta e oito horas depois de um debate na televisão por gente que sabe fazer contas e nos deixou genuinamente preocupados com o nosso futuro.

5 Comments:

At 2:58 da tarde, Blogger lilla mig disse...

Patologia e muito grave! Cada vez fico mais desesperada com o rumo que tudo está a levar no nosso cantito... Tenho a sensação que tudo anda para trás em em vez de evoluir, como seria normal, e dá-me uma tristeza tão profunda...

 
At 4:21 da tarde, Blogger Pitucha disse...

Espumante
Os teus posts, por vezes, obrigam-me a exigentes exercícios de resumo (o que nunca foi o meu forte) para os comentar. Nesse país há muita coisa mas, infelizmente, pouca desobdiência civil! Redigi um trabalho sobre a matéria no ano passado, numa post graduação que fiz em direitos humanos. Em Portugal há desobediência (pura), falta de civismo, desinteresse, má educação...a desobediência civil é um acto voluntário de se opôr a uma lei por se considerar que ela é incompatível com a legalidade democrática; é um acto público (os autores normalmente querem publicidade para chamar a atenção para o problema) e os seus autores sabem que incorrem em sanções e estão, normalemente, dispostos a cumpri-las se forem condenados.
A doutrina identificou condições precisas para que a acção de conduta ilegal possa ser considerada desobediência civil. Poupo-te a descrição. Concluo dizendo que, de qualquer modo, é tema controverso. Agora, uma coisa é certa: é uma manifestação consciente de empenhamento político e social o que se verifica pouco em Portugal.

(Por curiosidade, defendi no meu trabalho que a atitute do cônsul Aristides Sousa Mendes foi uma atitude de desobediência civil mesmo se se estava numa situação de não democracia o que parte da doutrina vê como condição essencial para caracterizar essa figura!)

 
At 7:02 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

lilla mig

Já o meu avô dizia que "isto" não chegava ao ano seguinte...
Chegou, o meu avô já morreu e lá vamos chegando ao dia seguinte :)
beijinho

 
At 7:13 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

pitucha

Deverei deixar de postar para não ficares ofegante com o exercício do resumo? :))
Falando a sério:
Eu percebo exactamente o que dizes no comentário. E o exemplo que dás do Aristides Sousa mendes, desculpa que te diga, não me parece ser apropriado. Era uma época diferente, havia guerra e vivíamos em ditadura. Hoje vivemos em plena liberdade e o contexto é totalmente diverso. Por outro lado aquilo que chamas desobediência na actualidade tem, a meu ver, mais a ver com ilícito do que desobediência às instituições. Quanto à falta de civismo, laxismo, falta de educação etc., concordamos plenamente.
A mim o que me irrita é este posicionamento de uma esquerda ezvaziada que PRECISA de NÃO estar no governo para que posa nmanter esta atitude de oposiçao sem qualquer conteudo que não seja a gritaria e sem qualquer projecto alternativo...
E também ando parco de argumntos válidos. E tu merecias melhor que umas considerações mais ou ménos anódinas como as que estou aqui a produzir, por manifesta incapacidade no momento.
As coisas vão melhorar. Não a situação do país... mas sim a minha capacidade de corresponder aos teus comentários, Hoje... não dá :)
beijinho

 
At 7:59 da manhã, Blogger Pitucha disse...

Sobretudo não deixes de postar! Eu aprenderei em dizer em poucas palavras e claramente o que tiver que dizer, o que só me fará bem.
Beijos

 

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