quarta-feira, agosto 30, 2006

Regressar lá para fora



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Há por aí nas minhas relações ”blogoesféricas” um par ou dois de casos em que
os regressos de férias se fazem no sentido inverso ao da maioria. Ou seja, “regressam lá para fora”.

Vem-me à ideia quando isso acontecia comigo. “Regressava lá fora” depois de um tempo de férias cá dentro, numa sequência de alguns anos que me foram criando a ideia de que cá dentro se tornava cada vez mais fora e que lá fora é que se situavam todas as minhas referências. Seria talvez o “inner side of” de todos nós. Aquela zona mais ou menos desconhecida mas facilmente percebida que nos vai ditando as prioridades, os desejos, os prazeres e as idiossincrasias próprias de quem acha que anda no mundo a fazer alguma coisa – seja o que for.

Um país como o nosso gera um vasto campo de ambivalências e uma clivagem muito grande entre os sentimentos de quem vive longe. Há coisas tão boas, como o clima, a comida, a paisagem, que frequentemente nos sentimentos assim uma espécie de povo eleito, pelo pais que temos. Há outras coisas tão más que, em muitos casos nos fazem desejar regressar lá fora ao fim de dois dias de férias. Curiosamente as coisas más são indissociáveis de comportamentos humanos, pelo que, bem vistas as coisas, o pais nada tem de mal. O que é verdadeiramente mau é o tratamento que lhe damos, as agressões contínuas que lhe infligimos, tornando-o um dos mais “feios” países da Europa, no seio do qual criámos as mais absurdas situações, advindas das nossa pouco recomendáveis características de espécie gregária, variedade “lusitanus”, com manifestações tão más, pífias, comezinhas, provincianas, de má índole e de reconhecido défice de sentido cívico, que desaguam na “época dos descobrimentos” de cada vez que procuramos em nós alguma coisa de bom. Ah! E a nossa hospitalidade, claro, apesar de esta ter vindo a sedimentar-se cada vez mais no conjunto do nosso tecido social.

Mas se falei em ambivalências é porque apesar de tudo e à revelia de quaisquer veleidades patrioteiras de pacotilha, permanece nos expatriados um sentimento de pertença em relação a Portugal, sentimento esse frequentemente tocado de alguma lamechice, que deve ter a ver algo com qualquer coisa parecida com a nossa massa crítica, para usar uma expressão muito em voga. Daí que na grande maioria dos casos, acontece muitas vezes vivermos lá “por fora”, criarmos raízes alienígenas, mas nunca chegamos a descartar a faceta autóctone que nos molda o “saco” da farinha que somos. Basta pensarmos na nossa rede de relações, amigos, familiares, conhecidos e vermos quantos deles acabam por se fixar no estrangeiro, quando nos começamos a sentir a caminhar para uma idade de reforma, por exemplo. Muito poucos. Acabamos todos por regressar às origens. Levamos o resto da vida a barafustar e a achar que somos um povo inviável e impossível de suportar mas acabamos por nos integrar, normalmente comendo umas pataniscas e rematando com uma bica curta. Mesmo que nunca nos desembaracemos dos anti-corpos que, entretanto, criámos.

Comigo, foi assim. Não sei se é bom se é mau, mas foi
.

5 Comments:

At 9:10 da manhã, Blogger Sinapse disse...

Eu, ao contrário da Carlota, não vejo o regresso a BXL como um regresso. Para mim, o regresso é na direcção de Portugal.

Neste post, nos comentários, tento explicar esse sentimento:

"Quando o regresso é um regresso a Portugal, 125_azul, então a cada partida parte-se-me o coração ...


Quase todos vocês estão a considerar o conceito de regresso da vossa perspectiva, em Portugal. Para vocês, o regresso é realmente um regresso, depois das férias, depois de uma viagem de trabalho ...
Para mim, o regresso a Portugal é ilusório, é temporário, o regresso é pleno de emoção porque sabe-se vítima já duma partida de regresso a BXL ...

Hum ... não sei se me faço entender ...
"

Eu não sou nada nada ferrenha da Bélgica, talvez por pagar demasiados impostos para apreciar o que me dão - dão-me pouco para os impostos que pago. Sim, o sistema de saúde é melhor do que em Portugal - mas não vale, é que não vale mesmo, os impostos que pago!!!!
Portanto, apesar dos anos que aqui já passei, estou completamente fora da Bélgica, os meus regressos fazem-se sempre a Portugal, e as partidas (partidas de regresso) são sempre na direcção da Bélgica. :(
Porque é que ainda cá estou? Inércia ... falta a energia de arranque ... e, pronto, vá lá, também é verdade que gosto o suficiente do meu trabalho! :))

E podia ficar por aqui, na caixa de comentários, a esmiuçar este tema que dá pano para mangas (e bem preciso de mangas, com o frio que faz nesta terra!!) ;)) ... Mas ... por hoje, já chega ...

Beijinhos, quase de regresso ao Porto! :))))
Sinapse

 
At 9:00 da tarde, Blogger Carlota disse...

Acompanhei, com interesse, o desenvolvimento da ideia...
Estou contigo no segundo parágrafo do post e concordo plenamente com o que dizes no terceiro. Mas já quanto ao quarto... hmmm... tenho dúvidas sobre essa pertença a Portugal e sobre se quero alguma vez voltar. Sérias dúvidas!
Dúvidas tenho ainda ao palavreado de grande calibre que utilizaste neste quarto parágrafo. O que me faz estar de partida para o dicionário on-line! :D
Beijola.

 
At 11:40 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

Sinapse

Entendo perfeitamente o que dizes e eu acho que era um bocadinho assim. O gene europeu, a costela lusa, sei lá... sem prejuízo de muitas coisas que me feriam a sensibilidade, no mau sentido.
Mas realmente tudo isto me veio à ideia por causa da Carlota que, como verificas, tem um pensamento ou uma sensibilidade diferentes dos teus.
Beijinhos expatriados :)

 
At 11:41 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

Carlota

Resumindo: És uma caso perdido para a lusa pátria :)))
Vejamos aí pelos teus cinquenta anos se tudo continua a ser como dizes agora...
Beijolas

 
At 1:50 da tarde, Blogger Carlota disse...

Por acaso cheguei a pensar nisso que dizes... Se e quando lá chegar, mando-te um e-mail para seres o primeiro a saber se sou um caso perdido até ao fim...
:)
Outra beijola.

 

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