quarta-feira, fevereiro 20, 2008

O Land Lord, barbas boas e barbas más e as T-Shirts que aí vêm



[2336]

É indisfarçável a excitação com que alguns dos nossos “neo-socialistas” aguardam o passamento do ditador cubano para espraiarem mais uma furiosa campanha contra os americanos. Isso mesmo se notava ontem num programa do Rádio Clube Português onde Ana de Sousa Dias, com o seu ar asséptico, incolor e inodoro juntou um grupo de nomes de que só consegui reter o de Nuno Ramos de Almeida para se pronunciarem sobre a renúncia de Fidel e sobre o futuro da nação cubana. O programa chama-se “janela aberta” e é um mostruário de temas apropriados a uma janela aberta que se preze, como a ecologia, a homossexualidade, o aborto, a adopção de crianças por duas pessoas do mesmo sexo, o sexo, a violência doméstica e outros temas que poderiam constituir temas de genuíno interesse para um programa de rádio mas se transformam em veículos de uma pretensa intelectualidade de um grupo de iluminados que vai desfilando pelo programa, sob a batuta de Ana Sousa Dias.

Pois ontem, o tema era o futuro de Cuba e a renúncia de Fidel e, como era expectável, o programa tornou-se num furioso libelo contra os americanos. Termos como influência na América latina, morticínios, Chile, imperialismo, golpes de estado sucessivos na América do Sul por generais barbudos (também em matéria de barbas há barbas boas, as do Comandante e más como as dos coronéis e generais golpistas), Guantanamo e o desrespeito pelos direitos humanos, a estrondosa derrota americana na baía dos Porcos, o ditador Fulgêncio, as quadrilhas de Miami, a colaboração económica da URSS até 1991 e a sobrevivência de Cuba ao bloqueio americano, enfim, tudo isto serviu para o mote de base que era Castro era um ditador, mas. Ou seja, ao fim e ao cabo Castro tinha muitas e boas razões para ser um ditador. Houve mesmo quem afirmasse, salvo erro Nuno Ramos de Almeida, que a América do Sul podia agradecer às políticas de Castro o facto de os americanos estarem agora mais ou menos em sentido e desfrutarem de mais liberdades. As palavras são minhas, mas o sentido era este.

É evidente que este grupo de jornalistas, radialistas intelectuais, bloguistas, apresentadores de rádio e iluminados correlativos não faz a mínima ideia do que estavam para ali a dizer. Provavelmente nenhum deles conheceu cubanos para além de um par de viagens a Havana num programa de férias da Abreu, digo eu, porque se tivessem tido um contacto mínimo com cubanos jovens a trabalhar fora do país em missão "internacionalista" tendo como única vantagem a acumulação de pontos (tipo pontos Galp) para poderem adquirir um frigorífico e a honra de contribuírem para o engrandecimento da grande pátria cubana através do pagamento em dólares dos seus salários directamente para o partido, este grupo de idealistas, dizia eu, poderia eventualmente moderar a sua linguagem, perceberiam que a tragédia cubana não terá sido apenas a prisão e desaparecimento de dissidentes políticos, a indigência material em que a maioria do povo viveu durante estes últimos cinquenta anos mas também, talvez sobretudo, a criação de sucessivas gerações enformadas por lavagens ao cérebro que as fazia acreditar não só viverem num país de eleitos como até gerarem um sentimento de solidariedade pelos desgraçados dos outros povos dominados pelo sistema capitalista que, ao contrário do que se passava com eles, andavam por África a ganhar chorudos ordenados em moeda convertível. Este sentimento patético, verdadeiramente trágico, é real e foi por mim constatado, era eu um jovem técnico de uma multinacional em Moçambique, em longas conversas com alguns generosos representantes da juventude cubana, pilotos agrícolas, técnicos de saúde, agrónomos, etc.

Isto da conversa é como as cerejas. O post tinha a ver com Sousa Dias e o seu séquito. Acabei nas longínquas paragens do Limpopo a conversar com colegas cubanos que olhavam com displicência e solidariedade aqueles que, como eu, ganhávamos em dólares, imagine-se a nossa desgraça. Trinta anos mais tarde, aguarda-se, com sofreguidão a morte do comandante. Vai ser uma correria às rádios e aos jornais para se falar de Guantanamo, das barbas de coronéis golpistas (as barbas más) e, vistas bem as coisas, da sorte do povo cubano em particular e dos povos da América latina em geral que hoje, graças às políticas do comandante, respiram melhor.

E entretanto morre mais um ditador. Faltam poucos.

.

Etiquetas: , , ,

6 Comments:

At 11:32 da manhã, Blogger 125_azul disse...

Ontem também falei disto, mas só por estranhar esta renúncia por escrito. E os americanos estão como aquele ditado "falem bem ou falem mal, mas falem de mim"

 
At 2:43 da tarde, Blogger jpt disse...

e leva rabo e orelhas ...

 
At 11:14 da tarde, Anonymous Anónimo disse...

"... era eu um jovem técnico de uma multinacional em Moçambique ... nas longínquas paragens do Limpopo ..."

Interessante !... Anos 80 ?... Ja tinha reparado que existia uma qualquer ligação a Moçambique !

Nasci na Beira, em 1954, cresci nas margens do Zambeze, em Nampula, em Lourenço Marques. "Retornei" à "metropole" com a familia no inicio dos anos 70, ainda na fase "colonial". Quase 2 décadas depois passei a ir a Moçambique com alguma frequencia, em serviço. Até hoje !...

Abraços "africanistas" !

Ah, por acaso não tive nenhum contacto com jovens cubanos em Moçambique (quando la voltei, no final dos anos 80, começara a diminuir o peso dos "cooperantes internacionalistas") ... mas aguardo também com impaciencia, não propriamente "a morte do comandante" (por mim pode até viver muitos e muitos anos numa casa de repouso para idosos a escrever paginas para o seu livro de memorias !) mas sobretudo o fim de um dos ultimos regimes totalitarios de tipo comunista !

 
At 8:58 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

azulinha
Velha máxima, não é?

 
At 9:01 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

jpt

E volta ao redondel :))

Nota: reparei há dias no ma-schamba que você foi por dois anos e já aí está há onze. Eu também fui com um contrato de dois anos, em finais de 77 e fui renovando até... em 96. O que estará por detrás deste fenómeno?
Um abraço

 
At 9:07 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

fernando s

É verdade. Anos oitenta. No tempo em que o Chokwé ainda tinha 32.000 has de arroz irrigados pelo Limpopo e produzia cerca de 180.000toneladas de arroz. E antes de Machel achar que devia substituir a organização local por um grupo de búlgaros, primeiro, e um exército de norte-coreanos, depois. Os primeiros porque eram dedicados internacionalistas e os outros porque sendo coreanos deveriam perceber imenso de arroz :)))Claro que dois anos depois a produção estava reduzida quase ao zero e muitos milhões de dólares de maquinaria nova completamente canibalizada e destruida. Muito desse equipamento nunca chegou a trabalhar.
Histórias do socialismo avançado. Um dia deito-me a contar alguns destes episódios.
Obrigado pela visita.

 

Enviar um comentário

<< Home