sexta-feira, março 20, 2009

Porca de vida


[3031]

Estuguei o passo na direcção do carro, porque ia com pressa, quando ele me viu. Olhou-me de frente e rogou-me que fosse “ali” com ele num instantinho.

- Para quê? Perguntei eu.
- Roubaram-me tudo, senhor doutor (qualquer gravata num par de sapatos engraxados a entrar num carro preto é doutor, ali no estacionamento contíguo à Basílica da Estrela).
- Mas roubaram o quê? Donde?
- Venha cá senhor doutor, veja-me isto.

E encaminhou-me para um canto exterior da igreja onde, num pedaço de relva velha, vislumbrei uma espécie de toalha de cozinha, um copo de plástico e um saco. Apontou para os pertences e disse:

- Roubaram-me as mantas e dois pares de sapatilhas. Andam aí uns filhas da puta que roubam tudo. Enquanto arrumamos os carros eles vêm e levam tudo. Se os vejo, mato-os.

Sem lhe perguntar quem eram os outros dei-lhe outra moeda e regressei ao carro. Entrei ainda a tempo de relancear os meus olhos pelos dele e eles me terem parecido brilhantes demais para estarem secos. Liguei a ignição, ajustei o cinto, sintonizei a música e mergulhei no conforto obsceno do trânsito em direcção a casa. Para trás ficou um homem a quem lhe “assaltaram a casa”. Levaram-lhe os cobertores e dois pares de sapatilhas…

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2 Comments:

At 9:39 da manhã, Blogger Carlota disse...

São coisas destas que me deixam verdadeiramente impressionada. A sério.

 
At 2:35 da tarde, Blogger Nelson Reprezas disse...

Carlota

Também a kim, Carlota. Mete impressão e custa a perceber como é que ainda é possível...

 

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