sábado, novembro 05, 2011

O fim do capitalismo (disse a Zon)

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Sempre me irritou gente que execra os milhões para fazer uns milhões. Oliver Stone é um exemplo claro deste tipo de gente, sem embargo do brilho do seu talento para realizar filmes admiráveis. Mas Stone explorou à exaustão temas, figuras e sentimentos que no seu conjunto estariam sempre condenados a meter-lhe no bolso uns milhões. O capitalismo desenfreado, o antiamericanismo, a emulação de figuras controversas, mas populares, como Castro ou, mais recentemente, Chávez e Lula, o Vietname, a violência como apanágio e imagem de marca dos americanos, o patriotismo, que ele sempre apontou como um dos piores males da humanidade «…Nationalism and patriotism are the two most evil forces that I know of in this century or in any century and cause more wars and more death and more destruction to the soul and to human life than anything else…» constituíram matéria soberana das suas preferências e é assim que Stone retorna a Wall Street e a Genko para nos oferecer mais uma história de millions, billions e trillions (expressões a que os tradutores de Wall Street – o dinheiro nunca dorme deram tratos de polé), traição, falta de escrúpulos, uma história, enfim, em que o capitalismo foi uma vez mais demonizado, mau grado os milhões que engordaram o saldo bancário de Stone. O povo gosta disto. De achar que o capitalismo é o mal que justifica a caramunha pela fatalidade em que todos vivemos, vergados ao capital.

Stone não perdoa e, de novo, maneja as ferramentas, mas desta vez sai-lhe uma obra burilada, confusa (palavreado que ninguém entende mas que associa facilmente ao capitalismo, aos trillions e à ausência de escrúpulos dos stockbrokers, situações emaranhadas e sem um fundo credível, mesmo que alicerçadas no bolha americana provocada pelos tais produtos tóxicos. A referência a instituições e bancos cujos nomes são do conhecimento comum dos espectadores ajuda à festa e tudo se conjuga para que a meio de filme já não se perceba bem quais os verdadeiros problemas daqueles poderosos todos, mas isso não interessa nada, percebe-se que está tudo em apuros e que a culpa é do capital. Mas Stone cai, ele próprio, numa esparrela infantil. No fim, depois de uma série de situações confusas e a roçar uma vulgar história de intriga política e económica, eis que há um happy-end à moda antiga. Os maus regeneram-se, os casais desavindos apaixonam-se outra vez, os pais reconciliam-se com os filhos, a filha do vilão acaba por ter a criança, o genro fica com cem milhões de dólares que o sogro (Genko), arrependido, lhe deposita na conta para ele poder prosseguir com as suas malfeitorias operações financeiras e vai tudo fazer um barbecue.

Stone não reparou que só capitalismo poderia fazer com que Genko decuplicasse os cem milhões de dólares que roubara à filha (dinheiro guardado para o nobre propósito de pagar as propinas na universidade) nuns escassos meses. Mas tudo está bem quando acaba em bem. Ricos, contentes, felizes, cheios de espírito de família, tudo aos beijinhos e a comer umas asas de frango e um comovente bolo do primeiro aniversário da criancinha gerada na maior confusão mas salva pelo gong, leia-se um rebate de consciência do avô que uns meses antes tinha roubado à filha cem milhões mas que conseguiu reproduzir para lhos devolver e ficar com uns trocos para ele, para os Cohibas e para os fatos de alfaiate. Capitalismo puro.

Vi o filme ontem, o ano passado não tive oportunidade de o ver. Retenho ainda a voz grave de um apresentador da Zon anunciando o filme e dizendo: «A Telecine, continuando a apresentar uma série de filmes que registam o fim do capitalismo (SIC, juro…), passa agora o Wall Street – o dinheiro nunca dorme (o título do filme é pronunciado em mode solene e prenunciando os amanhãs que brevemente vão começar a cantar por aí). Será que é mesmo necessário sermos assim tão imbecis?
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